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Memorial Patativa do Assaré não pode cerrar suas portas
Entenda...
date_range04/03/2022 às 12:30

Foto: Ilustrativa

No dia 5 de março de 1909 nascia o maior poeta popular que o planeta terra acolhera. Uma criança amorosa que brincava no terreiro de casa e exercitava suas curiosas expedições na Serra de Santana no município de Assaré. Descobriu muito cedo a grandiosidade da natureza e como filho da mãe natura plantou na literatura de cordel uma linguagem poética rica de expressão e amor, bem próprio dele, poeta e camponês. "A gente vê com certeza / Que a música da natureza / Tem riqueza de encantar/ Do campo até na floresta/ As aves se manifestam / Compondo a sagrada orquestra / desta festa naturá". A obra de Patativa do Assaré está repleta de paisagens, cenas e episódios que tão bem retratam a realidade e a saga dos povos do semiárido. O ciclo de sua existência foi marcado pela deflagração de duas grandes guerras. A Primeira Guerra Mundial foi concomitante a seca de 15 que resultou no maior flagelo já vivido no Nordeste Brasileiro, retratado no romance O Quinze de Raquel de Queiróz. O Ceará foi duramente abatido e a resposta imediata das elites foi a criação dos chamados campos de concentração da seca. O objetivo era isolar dos demais a população indesejada, a "gente imunda", que tentava sobreviver à seca do sertão. Estivemos ao lado do poeta quando da visita em Quixadá na Fazenda Não Me Deixes. Estava emocionado e trasbordava de emoção. Guardamos na memória a expressão do seu rosto marcado pelo sol do semiárido, que se abria num sorriso de contentamento inigualável. "Estou de frente de uma dama que conhece a dor do nosso povo". Dissera Patativa ao cruzar o alpendre da casa para apertar calorosamente a mão de Raquel.

Quando a Segunda Guerra Mundial explodiu o poeta tri-decano via o sol inclemente deitar-se nos campos de plantio, assim como a escassez da água parecia varrer da terra qualquer vestígio de esperança. O Estado Novo não foi capaz de resolver as questões de origem do conflito social brasileiro e agarrou-se no modelo liberal. Os retirantes e famintos, populações difusas jurados ao esquecimento, banidos da terra. "A Triste Partida" foi uma declaração poética de Patativa do Assaré para o mundo. Chamou atenção da Universidade de Sorbonne, uma academia francesa que há décadas estuda a obra do poeta. "O estado econômico é fraco e a fome mata". Como protestar e denunciar a privação de milhares de pessoas em plena ditadura militar? Patativa o fez com sagacidade e forte instinto de sobrevivência.  Em ato público na praça do Ferreira em defesa da democracia e das liberdades o poeta declamou poema de sua autoria A Lição do Pinto. Transcrevemos aqui uma pequena estrofe. "O pinto dentro do ovo / Está ensinando ao povo / Que é preciso trabalhar / Bate o bico, bate o bico / Bate o bico tico-tico / Prá poder se libertar".

Senhorzinho era a forma carinhosa com que era chamado pela família, parentes e os amigos mais próximos. Esse ser humano simples, genial com as palavras e os versos, que transformou seu coração na pátria da amizade e da solidariedade foi premiado com a maior comenda da cultura do Estado do Ceará, a medalha José de Alencar, a Sereia de Ouro, Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e Universidade Regional do Cariri (URCA), entre outras homenagens. Um século e mais treze anos da sua chegança e veio pelos bons ventos semeando poesia na Chapada do Araripe. Nesse novo dia de nascer nos cabe defender a memória e entoar o nosso canto de parabéns e de gratidão pelos ensinamentos do grande mestre. O Memorial Patativa do Assaré está localizado no centro da cidade de Assaré. Não é só um equipamento para preservar a história e a memória do poeta, mas é fundamentalmente uma conexão da história viva de luta e de resistência que deve se manter no presente e no futuro de seus descendestes e de toda uma geração carente da palavra do poeta que traduz a identidade e a sabedoria como a riqueza de um povo. "Cante lá, que eu canto cá".

Por Íris Tavares



Sobre
João Boaventura Neto, um jornalista que deixa um importante legado para a comunicação cearense. Passando por diversos veículos de comunicação da região, o Boaventura sempre responsável e atento às informações, tinha consciência do amor pelo jornalismo e a produção no Blog do Boa. Será eterno em nossos corações. Saudades!